O Jorge tem 28 anos. É Drag Queen mas já foi optometrista. A arte do transformismo ganhou-o mal saiu à rua de salto alto, maquilhagem no ponto e cabelo a condizer. Quando está em personagem é Lola Bunny, mas no dia-a-dia não se esconde naquilo que é: um homem que admira o poder e a força das mulheres.
A Bruna tem 19 anos e recusa-se a ficar no silêncio. É surda desde criança e, embora tenha facilidade em fazer leitura de lábios, não se conforma com a falta de conversa a que a sociedade ouvinte veta a sua comunidade. Em plena pandemia de COVID-19, as máscaras adicionaram mais um obstáculo a uma comunicação já muito limitada. Pode a língua gestual portuguesa vir a fazer parte do nosso currículo de idiomas?
O João tem 25 anos mas desde que se lembra que o seu maior sonho era ser pai. Assumiu-se como homossexual com 17 anos e isso nunca lhe pareceu um obstáculo. Hoje vive com o companheiro e com os dois filhos, nascidos de um processo de barrigas de aluguer no Canadá. Três anos depois, ainda espera que o Estado Português o reconheça como pai adotante das duas crianças.
A Simone pode ter só 99 centímetros, mas quando entra numa sala é um furacão sem tamanho. Professora de educação musical e de natação, é também atleta paralímpica e uma otimista sem precedentes. O seu lema é "não tenho sonhos, tenho objetivos" e falar com ela é esquecer quaisquer obstáculos (sejam eles interruptores demasiado altos ou amantes com 1,80m).
O Daniel tem 22 anos, mas traz a História da realidade negra em Portugal na ponta da língua. É curioso e culto, atento ao aqui e agora; aquele que vamos construindo e que raras vezes sabe enquadrar as minorias. O racismo ainda é um assunto e a integração sincera de todas as pessoas, de todas as cores e culturas, urge.
A Rita é vegana de convicção, mas sem fundamentalismos. Aprendeu que isolar-se dos outros não é o caminho mas não desiste de exigir respeito por todos os indivíduos, em que se incluem os animais. Afinal, o veganismo é pela justiça, contra a exploração, a violência e a morte e supera a simples opção alimentar.
A Lua está dentro do espectro do autismo e está mais em contacto com o mundo do que muitos. A lucidez de quem consegue escapar ao pensamento comum pode deixar-nos desconfortáveis mas também nos põe em contacto com todas as vezes em que fomos intolerantes perante a estranheza dos outros. Ouvir sobre essas dificuldades pode ajudar-nos a compreender o quão pouco disponíveis estamos para sermos sensíveis.
O Ângelo demorou 20 anos a assumir-se como sobrevivente de violência sexual, porque a noção de abuso neste tema parece impossível para os homens. O machismo incute nos rapazes a ideia de uma intensa disponibilidade para o sexo, a toda a hora e por qualquer razão, que os empurra para um silêncio e os isola. Que homens estamos a criar, que crianças deixamos ficar para trás?
A Carolina tem 23 anos, mas a sua relação com Deus e a religião católica vem do berço. Ter-se apercebido de que era homossexual podia ter abalado a sua fé, mas recorreu à Igreja que conhecia para se compreender. Quando percebeu que a sua orientação sexual não era bem recebida pela comunidade religiosa, retraiu-se. Mas tornou-se também essencial regressar ao início de tudo o que lhe tinham ensinado: "se Deus me criou e Ele sabe tudo sobre todas as coisas... como posso estar errada?".
O Bernardo foi diagnosticado com Perturbação da Ansiedade Generalizada, mas o tom que usa para conversar não denota ansiedade. A expectativa que temos sobre as pessoas com diagnóstico de doença mental limita a forma como encaramos as suas capacidades e afasta-nos do respeito sobre o seu potencial. Recém-formado em terapia ocupacional, o Bernardo escolheu trabalhar precisamente com este género de pacientes, porque a empatia não se ensina.
O Ary divide o seu ativismo entre duas lutas: a das pessoas não-binárias e das pessoas trans. Sente-se à vontade para usar pronomes masculinos e identifica-se com o masculino, mas navega num espectro que recusa o carácter binário a que a sociedade nos obriga e nos incentiva. Nem todas as pessoas não-binárias têm de ter um ar andrógino, fora da caixa ou usarem pronomes neutros. E todas têm direito à sua autodeterminação e a sair da invisibilidade a que continuam sujeitas.
A Catarina viveu sem deficiência até aos 27 anos o que lhe permitir formar-se como adulta sem as barreiras físicas e psicológicas que definem a vida de quem nasceu com uma deficiência. Precisamente por isso, sabe apontar claramente as diferenças no tratamento da Catarina em Pé e da agora Catarina Sentada. A cadeira de rodas é o que lhe permite ser independente, mas nota que lhe são associadas características de debilidade, falta de autonomia e até "castigo" que não correspondem à verdade. É a falta de acessibilidade (e muitas vezes de sensibilidade) que impede a verdadeira liberdade de todas as pessoas com deficiência.
Thiago quis escapar ao governo de extrema-direita que tomou conta do Brasil pela mão de Bolsonaro; escolheu Portugal para procurar emprego e asilo. Para além da burocracia que o antigo SEF não facilita, tem ainda de superar entrevistas com empregadores que se questionam sobre o quão problemático pode ser ter um imigrante entre os funcionários ou de ouvir comentários sobre as brasileiras que vivem em Portugal. Dentro da comunidade LGBTI+, é encarado como um "amor de verão, bom amante mas que não fica para sempre".
"Mas porque é que ela não sai só disso?". A Joana tinha saído de uma relação e não estava pronta para outra. O charme e a insistência de um homem ?bonito e luminoso? levaram-na a ignorar a sua intuição. Dedicou-se a uma relação abusiva, em que era perseguida, insultada e ameaçada. Mas foi preciso ver o medo nos olhos do filho para expulsar esse homem de sua casa. Uma vez nesse ponto, a sociedade considera que quem consegue fazê-lo recuperou o poder; mas não foi suficiente.
Reconhecer e dar um nome a algo que costumava condicionar a nossa vida é quase sempre um alívio. O rótulo ajuda a olhar de frente o que temos de combater. Para o João, ser diagnosticado com ciclotimia pô-lo num caminho de autodescoberta que o ensina a reagir e a valorizar melhor quem está à sua volta. Não são só as condições internas que podem potenciar uma crise depressiva ou de euforia extrema, mas ter ferramentas, seja acompanhamento por um terapeuta ou medicação - determina profundamente o espaço que uma doença mental como esta pode ocupar.
O parto em casa ainda vive no nosso imaginário com os contextos de outrora: mulheres amigas que ajudavam outras mulheres a parir em casa, com boa vontade mas sem conhecimento técnico para o fazerem. Fora do ambiente hospitalar, há quem critique e condene e até o sistema parece dificultar a aceitação desta decisão consciente e ponderada. A opção existe e no entanto o estigma sobre quem a escolhe mantém-se: "são pessoas imprudentes, egoístas, irresponsáveis e hippies". #SOQNÃO
As pessoas bissexuais continuam a ter de acartar um estigma que as afasta tanto da comunidade heteronormativa como da comunidade arco-íris. No caso da Elisabetta, foi incentivada a ser lésbica na mesma exata medida em que a identificam como heterossexual quando tem uma relação com alguém de outro género. Não há perguntas, mas há pedidos: "tens de escolher um dos lados". Outras vezes confundem a sua orientação sexual com poligamia. A sua bissexualidade é negada de todas as vezes. E é isso que a torna invisível.
O André é vocal coach e era agnóstico até ter passado pelos EUA para fazer um curso de canto que acabou por redirecionar as suas ambições. Aos 25 anos batizou-se e passou a fazer parte da fé evangélica, investindo agora grande parte do seu tempo a falar para as novas gerações de seguidores da palavra de Jesus Cristo.
Durante quase toda a sua vida a Maria João foi interpretada como um homem cis heterossexual. Casou-se com uma mulher e foi a figura que as três filhas identificavam como pai. Sentia curiosidade por tudo o que era claramente feminino e viveu fechada nas suas fantasias, sem contar a ninguém, desde criança e depois pela vida adulta adentro. Foi só em 2018 que fez o seu coming out como uma mulher trans.
A Miriam é uma comunicadora nata, com uma paixão (mal escondida) pela televisão. Aos 28 anos ainda se debate com as consequências do excesso de peso. Na verdade, não é o peso que a impede de ser o que quiser, mas antes a ideia mal calculada de que ser gordo não está de acordo com aquilo que as pessoas querem ver numa figura pública; a menos que a caracterizem como plus size. Só que, por outro lado, a Miriam também não é gorda o suficiente para ser modelo plus size. "Não sou gorda o suficiente nem magra o suficiente. Nunca somos o suficiente", diz.